segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Complemento relativo vs objeto indireto



NGB (Nomenclatura gramatical brasileira,1959), que unificou a nomenclatura das gramáticas brasileiras, não faz distinção entre complementos verbais  preposicionados, ou seja, classificando todos os complementos introduzidos por preposição necessária como objetos indiretos. Mas alguns autores separam complemento relativo de objeto indireto.

 A maioria dos gramáticos segue a NGB, entretanto... lá vem polêmica...há dois gramáticos de peso, Rocha Lima e Evanildo Bechara, que fazem a separação entre complemento relativo(CR) e objeto indireto(OI).


  A estudiosa Vera L. Rodrigues(2003) é a favor da separação, seguindo o pensamento de Lima e Bechara. Já Olmar G. da Silveira (1996) argumenta que a questão necessita de estudos mais profundos. E Adriano da Gama Kury (1991) diz: " nem doutrinária, nem, muito menos, didaticamente,  nos parece aconselhável tal separação: em primeiro lugar, não se fez ainda, em nossa língua, o estudo definitivo que está por merecer o objeto indireto, apesar da tentativa de Rocha Lima (Uma Preposição Portuguesa); e a presença obrigatória da preposição sem valor cirscuntacial é suficiente para a caracterização estrutural dessa função sintática."

Objeto indireto(OI).

OI complementa verbos transitivos indiretos (VTI) e verbos transitivos diretos e indiretos (VTDI)  que necessitam de um complemento preposicionado. Aliás, para Lima (2000) e Bechara (2002,2009), os OIs representam à pessoa ou à coisa "a que se dirige ou destina a ação ou estado que o processo verbal expressa" (Lima,2000). São sempre introduzidos pelas preposições A (mais comum) e PARA, e podem se substituídos, na terceira pessoa, pelos pronomes átonos lhe/lhes

Dar esmola a um mendigo / Dar-lhe esmola (R.Lima)

Mandei flores para a noiva / Mandei-lhe flores(R.Lima).

Complemento relativo(CR)


 Já o CR é ligado ao verbo pelas preposições a ,com,de,em,etc. Tendo valor de objeto direto(OD) (Lima, 2000). Ele não representa o ser ou a coisa beneficiado ou prejudicado na ação verbal, mas o ser sobre o qual recai a ação. E não pode ser substituído por lhe/lhes, mas por pronome pessoal tônico ela (s)/ele(s) precedido da preposição exigida pelo verbo. 

Gosto de Alice.

Gosto-lhe(errado)

Gosto dela(correta)

Objeto indireto(OI) X   Complemento relativo(CR)


Semanticamente o CR está mais próximo do OD (o ser sobre o qual recai a ação.), mas formalmente está próximo do OI (pela exigência da preposição).

Amo você (OD). / gosto de você (CR)

5)) Como diferenciar  OI do CR quando introduzidos pela preposição A?

A)Prefiro ele a você.

B)Desejo felicidades a você.

A frase A não representa um ser beneficiado, não pode ser substituído por lhe, por isso é CR. Já a frase B representa o ser beneficiado e pode se substituído por lheDesejo-lhe felicidades.


 Bechara (2009) afirma que é quase nula a frequência numa frase de OD com CR

A jovem pôs os livros (OD)  na estante (CR).

Continua o eminente gramático dizendo que muitos verbos alternam a sua construção com OD ou CR :

ajudar a missa (OD) / ajudar à missa (CR).

Para LimaOI não se pode apresentar sob forma oracional, isto é , não existe oração subordinada objetiva indireta. Bechara diz o contrário.

  Apesar de Marcelo Rosenthal (2011) dizer que nos concursos públicos,  não é feita tal distinção (CR x OI), sendo os dois casos absorvidos pelo objeto indireto. No entanto...
Vejamos como isto caiu numa prova... 
(IBADE- PREF. DE VILHENA/RO-ADVOGADO-2019)
A oração subordinada transposta substantiva aparece inserida na oração complexa exercendo funções próprias do substantivo. Em qual das alternativas abaixo a oração subordinada transposta substantiva aparece exercendo função de objeto indireto? 

(AEnildo dedica sua atenção a que os filhos se eduquem (GABARITO)
(B) O pai viu que a filha saíra 
(C) Todos gostam de que sejam premiados 
(D) A verdade é que todos foram aprovados 
(E) Convém que tu estudes

Todas as frases da questão são da gramática do BecharaREPARE  na letra C...Isso mesmo, ela não foi considerada como OI, o que nos faz presumir que foi encarada pela banca como CR. Na reposta aos recursos, a banca usa a gramática do Bechara para defender o seu gabarito. Como não havia bibliografia específica para o concurso, esta questão deveria ter sido anulada.

Referências 

BECHARA, Evanildo.  Gramática escolar da língua portuguesa. 1.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

BECHARA, Evanildo.  Moderna gramática portuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira & Lucerna, 2009.

KURY,  Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática . 5.ed. São Paulo : Ática, 1991. 

LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 38.ed. Rio de Janeiro. José Olympio, 2000.

RODRIGUES, Vera Cristina. Dicionário Houaiss: Verbos, conjugação e uso de preposições. 1.ed. Rio de Janeiro : Objetiva ,2003.

ROSENTHAL, Marcelo. Gramática para concursos.5.ed.Rio de Janeiro.  Campus concursos, 2011.

SILVEIRA, Olmar Guterres da. Reflexão sobre os fatos de sintaxe(p.42-47). Padrões frasais do Português(p.48-51). In FREITAS ,Horácio Rolim de (org). A obra de Olmar Guterres da Silveira. Rio de Janeiro : Metáfora ,1996. 

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