terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

A pronúncia de MUITO

1)) Um dos mistérios mais persistentes da gramática histórica da  língua portuguesa . 
2)) MUITO é uma palavra nasal sem marca gráfica de nasalidade: til (~), m ou n. Este  é um caso único de ditongo nasal sem sinal de nasalação. “Está à espera de solução o obscuro problema das vogais que se nasalaram sem terem após si N ou M”, escreveu o eminente mestre Said Ali (1964). E acrescenta Mattoso Câmara (1981):"muito menos usual, é lícito ainda considerar um ditongo nasal /úy (n)/, que aparece em MUITO , sem indicação gráfica da nasalidade."
3)) Com frequência em redações de alunos e nas redes sociais podermos encontrar a grafia "muinto". O fenômeno aqui é bem fácil de explicar: a pronúncia da palavra (MUINTO/[/muyNtu/]) não corresponde a sua parte gráfica(MUITO). 
4)) A palavra MUITO se originou do latim MULTU, que durante a evolução da língua latina para a portuguesa, sofreu o processo de vocalização da consoante lateral, isto é, o fonema /l/ se transformou em /i/ , e o /u/ virou /o/.  No início, é bom lembrar que o ditongo /uy/ era oral, prova disso é a forma reduzida MUI, segundo alguns estudiosos. Com o tempo, a nasalidade da consoante M (de MUITO) foi assimilada pelo ditongo, que se tornou, /uyN/.
5)) Sobre a nasalação, Silveira Bueno (1968) diz que "a presença de uma nasal pode estender a sua influência assimiladora à vogal seguinte, nasalando-a também: mi/mim, mae/mãe, muito/muinto."
6)) A respeito da origem da nasalidade em MUI/MUITO, José Joaquim Nunes(1975 [1911]) afirma o seguinte: " embora MUI e MUITO  sejam formas clássicas, nas cantigas 38 e 453 do Cancioneiro da Ajuda[séc.XIII], aparecem já nasaladas, como mostram as grafias MUYN e MUINTO donde se conclui não se moderna na língua a nasalização(...)". Já o gramático Said Ali pensa diferente: " No extraordinariamente usado MUITO , foi tão tardia a mudança, que o cantor d'Os Lusíadas[séc. XVI] ainda podia dar-lhe para rima FRUITO e ENXUITO. Não se sabe a  data da alteração definitiva, porque em MUITO e MUI  nunca se assinalou - caso único - a vogal nasal pela escrita. Que em português antigo se pronunciava a tônica como U puro e fora de dúvida, porque, em caso contrário, não lhe faltaria o til, sinal tão profusamente usado naquela época."
7)) Este fenômeno fonético da nasalidade de "muito", todavia não é representado na nossa escrita(escreve-se "muito" e lê-se /muyNtu/). Assim, não é surpresa encontrar muito "muinto" escrito nas redações e nas redes sociais. 

Referências
ALI, M.Said. Gramática secundária e Gramática histórica da língua portuguesa.  Brasília : UnB, 1964.
BUENO, Silveira. Gramática normativa da língua portuguesa: curso superior. 7.ed. São Paulo: Saraiva,1968.
CÂMARA JR.,Joaquim Mattoso.  Dicionário de linguística e gramática. 9.ed. Petrópolis : Vozes,1981.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática histórica. 7.ed.Rio de Janeiro : Ao livro técnico, 1976. 
NUNES, José Joaquim. Compêndio de gramática histórica portuguesa(fonética e morfologia ). 8.ed.Lisboa: Livraria clássica editora,1975.

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