quarta-feira, 19 de agosto de 2020

A dupla negação em português


A dupla negação na língua portuguesa 



Não é de hoje que professores e outros amadores da língua portuguesa ensinam que a dupla negação em português corresponderia a uma afirmativa. Grande engano.

1)) No latim isso é verdade: "Em latim, similarmente ao que se dá em outros idiomas, o advérbio non
aposto a outra palavra de força negativa destruía o sentido negativo da frase" (COSTA, 2004,p.489). No português é mentira da grossa. E por causa dessa confusão que ainda hoje se ensina errado.
Vamos ver como os gramáticos de verdade ensinam:

A)) Silveira Bueno  (1968,p. 357): "ensinam alguns que não podemos empregar, na mesma frase, duas negativas juntas porque, dizem eles, formam uma afirmação.  Tal doutrina é insustentável  (...).
Ex.:'A linha não respondia nada...Parece que a agulha não disse nada'(M.de Assis)".

B)) O mestre Said Ali (1964,p.198-199) afirma : "Para o povo , acúmulo de negativas indica reforço. (...) Diferentemente de nós,  e de acordo com a linguagem vulgar , os escritores antigos , e ainda alguma vez os quinhentistas,  empregaram sem restrições a negação dupla, e até tríplice, com efeito reforçativo."

2)) Portanto, é papo furado tal ensino de que duas negativas corresponderiam a uma afirmativa em português.  Fique ligado nessas dicas furadas!

Referências 


ALI, M.Said. Gramática secundária e Gramática histórica da língua portuguesa.  Brasília : UnB, 1964. 

BUENO, Silveira. Gramática normativa da língua portuguesa: curso superior.7.ed. São Paulo: Saraiva,1968.

COSTA, José Maria da. Manual de redação profissional. 2.ed.Campinas: Millenium, 2004.

domingo, 9 de agosto de 2020

Complemento verbal locativo?


Como classificar o complemento dos verbos que necessitam de um termo locativo ? 

Adjunto adverbial, complemento circustancial, complemento terminativo, objeto indireto , objeto indireto adverbial, objeto indireto circustancial,  objeto indireto locativo ?

A classificação dos complementos de natureza adverbial 

1) Muitas classificações tanto quanto as divergências a cerca do assunto. A classificação dos complementos de natureza adverbial causa diferentes entendimentos e desentendimentos entre os nossos mais abalizados gramáticos normativos. Os verbos de movimento ou de situação  (chegar, ir, partir, seguir, vir, voltar, ficar, morar, etc.) pedem um COMPLEMENTO ADVERBIAL DE LUGAR, e não um ADJUNTO ADVERBIAL. 
Como o verbo ir exige a preposição A para ligá-lo ao termo locativo, muitos gramáticos veem aí um complemento verbal (obrigatório) e não um adjunto adverbial (dispensável ).

2) Entenda: alguns verbos exigem um termo locativo para completa o seu sentido. A ausência de complemento para o verbo ir deixaria a frase  sem sentido:
Ir a Belém 
Ir  (onde?)

Por isso, não poderíamos classificar o verbo ir como intransitivo (sentido completo), pois sem o termo locativo o sentido ficaria incompleto. 

3) Entretanto, como adverte Eduardo Carlos Pereira: "entre o complemento terminativo e o circunstancial nem sempre há limites rigorosos." E Francisco Fernandes (1990), no Dicionário de verbos e regimes, afirma que "não é fácil delimitar fronteiras entre adjunto adverbial(complemento dispensável) e complemento terminativo(complemento necessário) . O problema da classificação dos verbos,  seus complementos e o ofício de cada um destes tem sido objeto de sérias controvérsias(...)"

4) A Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) classifica como adjuntos adverbiais

5 ) Bechara (2006,p. 52) questiona a NGB :" Irei à cidade,
Voltei do trabalho,tínhamos a rigor de falar em verbos TRANSITIVOS ADVERBIAS,isto é, os que pedem como complemento uma expressão adverbial."

6) Rocha Lima (2000,p.252-3),na sua gramática,  diferencia adjunto advervial (termo acessório ) de complemento circunstacial (termo integrante). Para Rocha Lima, o COMPLEMENTO CIRCUSTANCIAL é  "indispensável a construção do verbo" :
Irei a Roma.
Morar em Paquetá.

7) Já Celso Pedro Luft (2002) classifica como objeto indireto, já que "circustancial é classificação semântica e não sintática".

8) Adriano da Gama Kury (1991) chama os verbos de movimento ou de situação  (chagar,ir,partir,seguir,vir,voltar, ficar ,morar,etc.) de verbos transitivos adverbiais quando pedem um COMPLEMENTO ADVERBIAL DE LUGAR que complete o sentido desses verbos. Nos diz ainda que José Oiticica denomina "verbos adverbiados". 

9) Em concursos públicos, as bancas seguem a NGB e a maioria dos gramáticos que classificam como adjunto adverbial, sendo o verbo intransitivo. Porém...a banca FCC segue a visão de Luft, classificando como verbo transitivo indireto e o complemento verbal, como objeto indireto. (Pestana,2019)

10) Enfim, o assunto é complexo, mesmo depois de muito tempo, ainda não se chegou a um consenso sobre a classificação do complemento desses verbos. É, provavelmente, a polêmica vai continuar. 

Referências 


BECHARA, Evanildo.  Lições de português  pela análise sintática . 18.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2006.

FERNANDES, Francisco. Dicionário de verbos e regimes. 37.ed. São Paulo: Globo, 1990.

KURY,  Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática . 5.ed. São Paulo : Ática, 1991. 

LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 38.ed. Rio de Janeiro. José Olympio, 2000.

LUFT, Celso Pedro. Dicionário prático de regência verbal. 8.ed. São Paulo : editora Ática, 2002. 

PEREIRA, Eduardo Carlos. Gramática expositiva : curso superior.  94.ed. São Paulo: Companhia editora nacional, sem data. 

PESTANA, Fernando. A gramática para concursos públicos. 4.ed.  Rio de Janeiro. Editora método,  2019.

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Complemento relativo vs objeto indireto



NGB (Nomenclatura gramatical brasileira,1959), que unificou a nomenclatura das gramáticas brasileiras, não faz distinção entre complementos verbais  preposicionados, ou seja, classificando todos os complementos introduzidos por preposição necessária como objetos indiretos. Mas alguns autores separam complemento relativo de objeto indireto.

 A maioria dos gramáticos segue a NGB, entretanto... lá vem polêmica...há dois gramáticos de peso, Rocha Lima e Evanildo Bechara, que fazem a separação entre complemento relativo(CR) e objeto indireto(OI).


  A estudiosa Vera L. Rodrigues(2003) é a favor da separação, seguindo o pensamento de Lima e Bechara. Já Olmar G. da Silveira (1996) argumenta que a questão necessita de estudos mais profundos. E Adriano da Gama Kury (1991) diz: " nem doutrinária, nem, muito menos, didaticamente,  nos parece aconselhável tal separação: em primeiro lugar, não se fez ainda, em nossa língua, o estudo definitivo que está por merecer o objeto indireto, apesar da tentativa de Rocha Lima (Uma Preposição Portuguesa); e a presença obrigatória da preposição sem valor cirscuntacial é suficiente para a caracterização estrutural dessa função sintática."

Objeto indireto(OI).

OI complementa verbos transitivos indiretos (VTI) e verbos transitivos diretos e indiretos (VTDI)  que necessitam de um complemento preposicionado. Aliás, para Lima (2000) e Bechara (2002,2009), os OIs representam à pessoa ou à coisa "a que se dirige ou destina a ação ou estado que o processo verbal expressa" (Lima,2000). São sempre introduzidos pelas preposições A (mais comum) e PARA, e podem se substituídos, na terceira pessoa, pelos pronomes átonos lhe/lhes

Dar esmola a um mendigo / Dar-lhe esmola (R.Lima)

Mandei flores para a noiva / Mandei-lhe flores(R.Lima).

Complemento relativo(CR)


 Já o CR é ligado ao verbo pelas preposições a ,com,de,em,etc. Tendo valor de objeto direto(OD) (Lima, 2000). Ele não representa o ser ou a coisa beneficiado ou prejudicado na ação verbal, mas o ser sobre o qual recai a ação. E não pode ser substituído por lhe/lhes, mas por pronome pessoal tônico ela (s)/ele(s) precedido da preposição exigida pelo verbo. 

Gosto de Alice.

Gosto-lhe(errado)

Gosto dela(correta)

Objeto indireto(OI) X   Complemento relativo(CR)


Semanticamente o CR está mais próximo do OD (o ser sobre o qual recai a ação.), mas formalmente está próximo do OI (pela exigência da preposição).

Amo você (OD). / gosto de você (CR)

5)) Como diferenciar  OI do CR quando introduzidos pela preposição A?

A)Prefiro ele a você.

B)Desejo felicidades a você.

A frase A não representa um ser beneficiado, não pode ser substituído por lhe, por isso é CR. Já a frase B representa o ser beneficiado e pode se substituído por lheDesejo-lhe felicidades.


 Bechara (2009) afirma que é quase nula a frequência numa frase de OD com CR

A jovem pôs os livros (OD)  na estante (CR).

Continua o eminente gramático dizendo que muitos verbos alternam a sua construção com OD ou CR :

ajudar a missa (OD) / ajudar à missa (CR).

Para LimaOI não se pode apresentar sob forma oracional, isto é , não existe oração subordinada objetiva indireta. Bechara diz o contrário.

  Apesar de Marcelo Rosenthal (2011) dizer que nos concursos públicos,  não é feita tal distinção (CR x OI), sendo os dois casos absorvidos pelo objeto indireto. No entanto...
Vejamos como isto caiu numa prova... 
(IBADE- PREF. DE VILHENA/RO-ADVOGADO-2019)
A oração subordinada transposta substantiva aparece inserida na oração complexa exercendo funções próprias do substantivo. Em qual das alternativas abaixo a oração subordinada transposta substantiva aparece exercendo função de objeto indireto? 

(AEnildo dedica sua atenção a que os filhos se eduquem (GABARITO)
(B) O pai viu que a filha saíra 
(C) Todos gostam de que sejam premiados 
(D) A verdade é que todos foram aprovados 
(E) Convém que tu estudes

Todas as frases da questão são da gramática do BecharaREPARE  na letra C...Isso mesmo, ela não foi considerada como OI, o que nos faz presumir que foi encarada pela banca como CR. Na reposta aos recursos, a banca usa a gramática do Bechara para defender o seu gabarito. Como não havia bibliografia específica para o concurso, esta questão deveria ter sido anulada.

Referências 

BECHARA, Evanildo.  Gramática escolar da língua portuguesa. 1.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002.

BECHARA, Evanildo.  Moderna gramática portuguesa. 37.ed. Rio de Janeiro: Nova fronteira & Lucerna, 2009.

KURY,  Adriano da Gama. Novas lições de análise sintática . 5.ed. São Paulo : Ática, 1991. 

LIMA, Rocha. Gramática normativa da língua portuguesa. 38.ed. Rio de Janeiro. José Olympio, 2000.

RODRIGUES, Vera Cristina. Dicionário Houaiss: Verbos, conjugação e uso de preposições. 1.ed. Rio de Janeiro : Objetiva ,2003.

ROSENTHAL, Marcelo. Gramática para concursos.5.ed.Rio de Janeiro.  Campus concursos, 2011.

SILVEIRA, Olmar Guterres da. Reflexão sobre os fatos de sintaxe(p.42-47). Padrões frasais do Português(p.48-51). In FREITAS ,Horácio Rolim de (org). A obra de Olmar Guterres da Silveira. Rio de Janeiro : Metáfora ,1996. 

sábado, 1 de agosto de 2020

SOFRÊNCIA OU SOFRENÇA: Uma palavra SÓ existe se estiver registrada no VOLP ?


 Uma palavra SÓ existe se estiver registrada no VOLP ? 


1)) E com constância irritante que se lê : tal palavra SÓ existe se estiver no VOLP.  O ensino na Internet é cheio da sofrência. Como JÁ disse antes, o VOLP não tem valor legal ou oficial segundo a própria ABL, como afirma o blog dicionário e gramática , mas, aqui no Brasil, serve de referência mesmo assim. 

2)) Alguns chegam ao absurdo de divulgar uma lenda:  uma palavra SÓ tem existência na língua se tiver no VOLP. Potoca das grandes. Quantas palavras não foram registradas no VOLP? Procure dona de casa no VOLP... Não achou. Isso que dizer que a palavra não existe ??? 

3)) Sofrência (sofrimento + carência= sofrência) é um neologismo, ou seja, palavra criada recentemente. Forma-se da união entre a palavra “sofrimento” e a palavra 
“carência”;  é utilizado como substantivo ou adjetivo de acordo com o contexto. Esse processo de formação de palavras é chamado de amálgama, ou seja, utiliza partes de duas palavras distintas para formar uma nova. É um neologismo utilizado ainda somente em situações informais, não sendo ainda aceito em contextos mais formais.
 A palavra é associada a músicas de "dor de cotovelo e chifre". Obviamente, ela não está no VOLP ainda, porém com o uso ao longo dos anos, ela poderá está numa edição futura do VOLP. Mas daí dizer que ela não existe... É SÓ procurar na Internet, lugar de largo uso da palavra. 

4)) Já sofrença (sofrimento) está registrada no VOLP. Segundo o Dicionário Informalo Dicionário de Morais da Língua Portuguesa, de 1813, já registrava o termo escrito com "ç". Todavia seu uso já era considerado antiquado naquela época . Dela surgiu sofrimento

5)) Portanto, mesmo não estando no VOLP, sofrência existe, muita gente do Brasil sabe bem disso, sobretudo, os fãs da cantora Marília Mendonça, que é a rainha da sofrência, é não da sofrença. Ou será das duas? pouco importa, sendo o sofrimento o mesmo independente da palavra.

OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE : PORQUÊ, PORQUE, POR QUÊ e POR QUE

Quem nunca teve dúvidas de quando usar um desses quatros porquês? Se tem um assunto espinhoso de língua portuguesa é este.  1) A...